TEXTO COMPLETO QUE DEU ORIGEM À ENTREVISTA DADA A MARINA OLIVEIRA DIRECTORA DA REVISTA RELÓGIOS E JÓIAS PARA O SEU Nº 75,DO MÊS DE DEZEMBRO DE 2009.
COMO NASCEU O SEU
INTERESSE PELA JOALHARIA?
Durante muitos anos fiz bijuteria artesanal.A partir de
certa altura comecei a sentir as suas limitações técnicas e a necessidade de
aprender verdadeira ourivesaria(soldaura,serragem,fundição,cinzelagem,etc) para
poder concretizar todo o universo de formas que quase obssessivamente via por
todo o lado,desde a arquitectura com seus elementos decorativos ou estruturais
ou às formas espontâneas simples e complexas,da Natureza,que me sugeriam
constantemente jóias!Para onde olhava só via jóias.Parece que foi a Joalharia
que se interessou por mim.
FALE NOS UM POUCO DO SEU PERCURSO NESTE UNIVERSO DAS JÓIAS
Um dia,devido a essa necessidade imperiosa de aprender
as técnicas de ourivesaria,decidi bater à porta das oficinas de Leitão &
Irmão,antigos Joalheiros da Coroa e dizer lhes que queria ser joalheiro.
Fui recebido por Jorge Leitão que meio espantado,por tal
pedido e com uma mente aberta me disse para vir no dia seguinte começara a
trabalhar.
Passei vários anos nessas oficinas antiquíssimas do Bairro
Alto,cheias de história,com mestres
joalheiros,cinzeladores,prateiros,guardiãos do melhor que se fez em Portugal
durante gerações.
Trabalhei mais tarde para a oficina exclusiva de H. Stern,em
Lisboa,onde se fabricava
exclusivamente joalharia,com
rubis,esmeraldas,safiras,brilhantes,em todo o tipo de desenhos clássicos
modernos.
Fui convidado pela Torres Joalheiros,para desenhador e chefe
de produção.Durante 7 anos desenhei
colecções,inspiradas nas tendências da alta joalharia que acompanhava nas
feiras de Paris,Basileia,etc.
Foi um período fantástico,trabalhei com os melhores oficiais
joalheiros da baixa lisboeta,com os melhores cravadores e lapidadores.
Simultaneamente,como professor técnico de ourivesaria no
A.R.C.O.(Centro de Arte e Comunicação Visual)dei aulas a jovens enebriados pela
criatividade e o contemporâneo.
Adorei!Adoro ensinar!
E montei uma pequena escola de ourivesaria no Príncipe Real
até à minha ida para o Porto,onde esta colecção nasceu.Apareceu numa 1ª
exposição numa galeria de arte e moda,sob o título”Descalço sobre a Terra
Sagrada”
Criei escola!Durante estes anos,fruto do meu universo
interior,dos meus estudos sobre antropologia,paganismo,arqueologia ou
filosofia,criei jóias,figurativas,de arte animal,simbólica transcendente e mágica!
Agora tenho discípulos,mas lamento imenso e intristece
me,que pessoas que aprenderam durante anos comigo ou outras que desvalorizaram
o meu trabalho por não pertencer ao design urbano contemporâneo,me estejam
agora a imitar,fingindo não me conhecer para poderem brilhar,escondendo a
origem das suas criações!
Continuo o meu percurso de honestidade,de honestidade
criativa,de expressão viva do meu interior,desta relação que mantenho com o meu
Planeta e os seus povos e reinos que o habitam.
A minha história na ourivesaria fala por mim com mais de 40
anos de actividade.
E especialmente o reconhecimento dos meus amigos e clientes,ao longo destes 15 anosdesde que surgiu a colecção “As Forças
da Natureza”
COMO DEFINIRIA AS SUAS JÓIAS?
As minhas jóias estão definidas no título que dei à colecção
: As Forças da Natureza !
Posso dizer que as minhas jóias têm uma alma,têm a minha
alma.
A relação com todo o universo
cultural,antropológico,simbólico e arqueológico das culturas tribais e
regionais de todo o mundo,dum tempo do relacionamento do individuo com o Todo,e
com os seus ritos de iniciação,está totalmente presente.
Todas as minhas peças têm um nome, um nome que as
define,como objectos simbólicos,um nome que acompanha o seu portador.
A exposição no Museu Nacional do Traje,chamou lhes
Talismãs.Mas essencialmente a nível formal são jóias figurativas,de arte
animal.
Apelam às virtudes humanas e ao Transcendente.
Mas têm também uma característica bem marcada,são
esculturas!
Aliás neste momento prefiro definir me como um escultor de
jóias!
Todas as peças são assinadas,de séries limitadas e
acompanhadas por textos explicativos da colecção assim como o respectivo título
ou nome.
ONDE BUSCA INSPIRAÇÃO PARA AS JÓIAS QUE CRIA?
Costumo passar 3 meses na Ásia ou na América do
Sul.Viajo!Vou para zonas tribais,templos,museus,cerimónias rituais e bebo todos
esses elementos que depois de pesquisados,são trabalhados,recriados e ganham as
formas da minha homenagem ao Planeta e aos Povos e Pessoas que se relacionam com
ele duma forma viva,sábia,filosófica e transcendente.
O QUE TEM EM CONTA QUANDO DESENHA
UMA JÓIA? (CONFORTO,DESIGN,ETC)
É o Espírito!A Estética! O Sagrado!A mensagem do
autoconhecimento,a relação de felicidade que o meu cliente vai ter consigo
próprio ao usá la.
Como tenho em termos técnicos muita experiencia,sou joalheiro
há cerca de 40 anos,a parte funcional,naturalmente acontece.As minhas jóias são
confortáveis,anatómicas,leves,mas carregadas de poética e filosofia.
QUE TIPO DE MATERIAIS PREDOMINAM NAS SUAS PEÇAS?PORQUÊ?
Gosto de usar os materiais nobres.A prata, o ouro,as
madeiras preciosas.São materiais de valor intemporal na história da
ourivesaria.
Durante anos a colecção AS FORÇAS DA NATUREZA manteve a sobriedade da personalidade dos
materiais nobres.Este ano num regresso ao futuro,desenhei 3 colecções,onde
introduzi o esmalte e as pedras
preciosas.Senti necessidade da cor,do verde da esmeralda,do castanho do pau
santo,do vermelho do esmalte,para além do brilho lunar da prata e solar do ouro.
QUAL O SEU PÚBLICO-ALVO?
Em boa verdadenão tenho um público alvo.Eu crio,expresso o
meu universo interior,filosófico,simbólico,em jóias e nestes materiais.
Os meus clientes são pessoas muito
diversificadas,jovens,meia idade,classes altas,pessoas mais simples,mas em
todas uma grande sensibilidade pelos valores humanos e transcendentes que as
minhas jóias falam.
Há uma identificação muito forte dos meus clientes,que já
são meus amigos(meus mecenas nesta troca entre nós,o que me dá a liberdade para
poder criar).
Tenho centenas de clientes,que coleccionam as minhas
peças.Muitos destes meus amigos,possuem individualmente dezenas de peças
minhas.
Todos os anos desenho uma colecção nova,para mim e para
eles!
Este ano desenhei 3:
África Negra
Pré Hispanic
Al-Gharb
E os meus queridos clientes me procuram todos os anos para
adquirirem mais uma peça nova diferente para a sua colecção.
No meio de muitas histórias,de peças minhas com
clientes,escolhi 2 para ilustrar a questão que me pôs:
Uma senhora ,comprou me uma jóia e desde que a usou no
primeiro dia,não mais a tirou(o que acontece muito frequentemente,nesta relação
intensa dos meus clientes com as minhas jóias).
A essa senhora foi lhe diagnosticado um cancro,do qual
viria falecer.Deu ordens
serenamente,aquando do momento definitivo da sua partida,ao ser incinerada,para
estar adornada com essa jóia,que sempre usou,e que naturalmente muito conforto
lhe dera!
Como não poderei eu,em primeiro lugar pensar nos meus
clientes?
Uma segunda história:
Não estive presente,mas foi me relatado por um amigo.
Uma reunião sobre o destino do edifício e espólio do Museu
de Etnologia em degradação,junto ao espelho d´agua no Tejo em Lisboa.
Dezenas de pessoas,antropólogos, sociólogos,pessoas
preocupadas com os bens culturais do nosso Povo…
70% das mulheres presentes usavam jóias minhas.
PARA SI,O QUE DEVE SER UMA PEÇA DE JOALHARIA?
Resumindo mais ou menos o que expressei anteriormente uma
jóia para mim tem que ser bela que irradie valor material e espiritual,e que
faça irradiar o utilizador com essa carga transcendente que apela ao melhor de
nós,que nos torne mais atentos à noissa relação connosco próprios aos outros e
ao Universo,de que somos co-autores,Talismãs,como dizia a Dr Madalena Brás Teixeira,na
altura directora do Museu Nacional do Traje,aquando da minha exposição aí,em
95.
SABEMOS QUE ESTÁ A DESENHAR UMA LINHA DE JÓIAS PARA A
UNIVERSAL SERV. O QUE NOS PODE DIZER SOBRE ELA?
Estou a desenhar uma colecção para a Universal Serv,em que
todo o percurso de pesquisa etnográfica,se transmuta em jóias,alta
joalharia,exclusivamente em ouro e pedras preciosas,com componentes de
aproximação à escultura,à pintura e à arte contemporânea.
É um desafio,uma
continuidade inovadora,um salto quântico,em que outras possibilidades ganham
preponderância,enfim…continuando a defender a joalharia como arte
decorativa,mas abrindo-a um pouco às artes plásticas.
QUE OUTROS PROJECTOS TEM ACTUALMENTE EM MÃOS?
O projecto que me está a fascinar neste momento é a pesquisa
no contexto mágico,xamânico e mitológico de algumas culturas do alto e baixo
Amazonas,na América do sul e outras também na MesoAmérica,um outro mundo, o
mundo estranho da floresta dos espíritos,dos espíritos animais,dos espíritos
das plantas,das divindades e dos seus interlocutores-os xamans.
É sobre isso que agora eu quero pesquisar e trabalhar!
Brevemente tanbémo retorno ao ensino com a abertura da
Escola de Ourivesaria,onde muitos jovens e adultos poderão ser iniciados nesta
arte fantástica de adorno e valorização pessoal.